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10 de jul. de 2012

A partícula

Hoje como de costume acordei e li as notícias no smartphone, através do Google News. Eu gosto do Google News, da mesma forma que gosto do Google, pois ele apresenta as coisas de uma forma mais limpa, pura, imparcial. Dessa forma, consigo ler as notícias de várias fontes e verificar as diversas versões para cada fato.

A bola da vez é o Bóson de Higgs, erroneamente chamado de "A partícula de Deus". Os poucos que conhecem a verdadeira origem dessa expressão acham essas menções da imprensa muito engraçadas. Qualquer cientista não levaria a sério uma pergunta sobre essa descoberta usando esse termo. Peter Higgs, junto com outros cientistas, quando escreveu sobre a essa partícula em 1964, provavelmente não imaginava a proporção que isso tomaria e deve estar ofendido com esse uso, sendo ele em si um ateu (o termo foi cunhado por Leon Lederman). Mais informações na Wikipedia.

O bóson de Higgs é apenas mais uma peça do grande quebra-cabeça cósmico que explica matéria, energia, as origens e mecanismos do universo. Além disso, ainda não é uma certeza, como muito da nossa física moderna.

Mas vamos voltar ao assunto, navegando nas notícias me deparei com esse artigo. O autor é um defensor confesso da teoria do "design inteligente". Uma pseudociência criada para circunventar a legislação americana e permitir o ensino do criacionismo como ciência nas escolas. O artigo discute o nome da partícula e a gratidão depositada pela comunidade científica no trabalho dos cientistas, distorcendo essa gratidão até para a dita partícula. Se observarmos, provavelmente durante o anúncio ou pesquisa, nenhum destes cientistas falou nada a respeito dos comentários da imprensa sobre sua descoberta. Me atrevo a inferir que são, em sua maioria, ateus. Não vem ao caso a grande ofensa feita a eles. Vamos discutir fatos.

A teoria do design inteligente é fácil. Tudo se explica por Deus. Ele veio, e criou tudo, agora nós tentamos fazer uma engenharia reversa para entender isso. Essa missão é muito difícil, pois esse ser superior está muito além de nossa compreensão. Eu acho divertido notar como conceitos fáceis geralmente são populares. Se nossos cientistas se conformassem com a explicação fácil, ainda estaríamos na idade das trevas, governados por dogmas e igrejas ao invés de viver num estado laico, como a maioria das democracias modernas o são.

Alguns dias atrás li uma frase no Brights Net, que resume bem o que sinto sobre isso:

"Science flies you to the moon, religion flies you into buildings"


A ignorância que vem junto com a explicação fácil é o real motivo de grandes males desse mundo. Alimentados pela ignorância, dogmas e pela falta de curiosidade, governantes criam massas de manobra, profetas pipocam em todo canto e legiões de seguidores perpetuam em seus filhos essas crenças sem fundamento. Se todos se curvassem perante a explicação fácil de um poder superior que fez tudo, e acreditassem em seus mensageiros terrenos, quem sabe não teríamos sobrevivido a peste negra [1] e ainda estaríamos na idade das trevas.

Não me venha com design inteligente, é necessária uma hipocrisia e um egocentrismo MUITO grandes para acreditar nisso. Tenho uma notícia para todos: vocês não são especiais! Não são mais que carbono reunido da forma certa após o natural caos do universo errar e errar incontáveis vezes, e culminar do que está acontecendo hoje. Vocês não são eternos, não merecem um plano espiritual para ir depois de morrer. Ninguém merece. Somos uma perpetuação dos replicadores primordias que se formaram de moléculas protéicas simples incontáveis anos atrás e uma incomparável imensidão de possibilidades que a mente humana não consegue compreender em um universo que é tão velho quanto o tempo, e no qual somos o pingo no último i da última palavra da última página dessa história. Insignificantes.

Se você acredita em Deus, no Diabo, no governo ou na Grande Batata Branca, não tem problema. Mas não venha desdenhar o trabalho árduo de quem não acredita na explicação fácil justificando a sua (e minha, e nossa, da humanidade) medíocre existência como se fosse especial. Também não tente justificar seus pontos de vista como se fossem os corretos, criticando pessoas que confiam no método científico e criam todas as inovações que você usa o tempo todo, muitas vezes sacrificando tudo para isso. Graças a pessoas com mente aberta, dispostos a mudar seus conceitos diante de uma nova descoberta, é que você tem energia elétrica e uma conexão a Internet usada para escrever um artigo que liga mais para semântica do que para ciência.

[1] Peste negra - Enquanto os Judeus e outras minorias eram massacrados, gatos eram queimados junto com suas donas (tidas como bruxas) e não caçavam os ratos negros, cujas pulgas eram vetores da peste. Enquanto isso, a igreja prescrevia peregrinações aos doentes para redimir os pecados, e estes acabavam infectando vilarejos vizinhos.