Comportamento, ciência, tecnologia, direito, política, religião, cinema e televisão, alguma controvérsia, algum bom senso, e um pouquinho de besteira, para dar um gostinho...

24 de abr. de 2018

Oportunidades

Venho acompanhando discussões sobre modelos político-econômicos algum tempo em grupos onde vale a pena ler os comentários. Vi vários argumentos sobre socialismo, capitalismo, economia, sociedade. Vale a pena ler bastante sobre isso para aumentar o seu entendimento do que acontece no país e tornar-se um cidadão mais consciente. No entanto, a Internet é terreno fértil para a bagunça da discussão binária e ignorante, e portanto, devemos exercer cuidado.

Um argumento constante para a utopia do socialismo é a desigualdade. Essa diferença entre as pessoas é exemplificada na maioria dos argumentos por falta de oportunidades iguais. Mas o que é uma oportunidade e como ela se constrói? O que faz alguns indivíduos terem sucesso e outros nem tanto? Em uma jornada mental (e não acadêmica), tentei achar um ponto em comum que dividisse esses grupos, e de acordo com minha própria experiência tentar justificar as disparidades sociais existentes.

Para o modelo funcionar, precisamos desconsiderar alguns fatores. Um deles é a desonestidade. Todos sabem que em um modelo social falho, a desonestidade pode, sim, compensar. O crime pode abastecer de recursos gerações inteiras e criar entidades que sustentarão por séculos um poder econômico. É só ver as empresas que auxiliaram, apoiaram ou simpatizaram com o movimento nazista e suas posições atuais. Outro fator a ser desconsiderado são cargos privilegiados também em um sistema político econômico que considera o voto um salvo conduto para privilégios excessivos, como ocorre com nossos deputados e senadores. Vamos falar de pessoas normais, de todas as classes, buscando um denominador comum. Também vamos desconsiderar o fator sorte. Sorte, acaso, acidentes bons ou ruins, não farão parte desta análise em primeiro plano. Elas podem se encaixar posteriormente, mas a princípio não serão determinantes. Também vamos desconsiderar alguns aspectos subjetivos, e considerar outros, de forma a mitigar diferenças advindas de situações extremas.

Então vamos analisar algumas pessoas hipotéticas.

Alguém que nasceu em "berço de ouro". Esta pessoa nunca passou fome. Teve acesso à educação privada de qualidade e uma estrutura familiar que lhe provia todas as suas necessidades, até as mais supérfluas.

A classe média, filhos de trabalhadores que com seu suor e empenho construíram um patrimônio capaz de prover o básico e manter seus filhos estudando, além de contribuir para os primeiros anos profissionais.

Uma pessoa desfavorecida. Eles não tem acesso ao básico e por vezes passam necessidades. Dispõe de um fraco colchão social que mal e mal cobre o suficiente para sobreviver. Seus pais podem trabalhar de sol a sol mas não conseguem mover o intransponível muro de desigualdade que os separa de uma vida mais digna.

Qual é o fator compartilhado por estas pessoas? O que, dentre tantas diferenças, pode ser um aspecto comum? Não é fácil, mas é óbvio. Estas pessoas nasceram. Sim, estas pessoas tem pais. Estes podem ser distantes, desconhecidos, mas biologicamente falando, consciente ou inconscientemente, um casal decidiu ter filhos, e estes são o resultado desta decisão. Todos somos filhos.

Muito do que você é veio de seus pais. Se não veio pelo convívio e experiência, veio pela genética. E aqui não excluo casais adotantes, mas removo eles da equação por motivos que se tornarão óbvios adiante.

Ter filhos é uma decisão. E não deveria ser uma decisão fácil como fazer sexo. Mas é. Isso mesmo, ter filhos, para muitos casais, é simplesmente uma consequência do prazer sexual, sem maiores implicações. Contraceptivos são baratos, acessíveis socialmente e disponíveis para qualquer um que os procure. Camisinhas e anticoncepcionais femininos estragam esperando consumidores em postos de saúde e o nosso SUS oferece várias opções contraceptivas.

Quando um casal tem um filho, já determinou certos aspectos da vida da criança pelo simples fato de ter planejado ou não a concepção. Aí já deve ter ficado claro o motivo da adoção ter sido desconsiderada antes: adoção é uma decisão consciente. Tão consciente (e fiscalizada) de fato, que é muitas vezes mais difícil que a própria maternidade biológica, que pode ser apenas uma consequência. Um casal que planeja ter filhos, considerando os aspectos financeiros, emocionais e sociais, já garante ao seu descendente uma estrada menos árdua na vida, mais oportunidades, pautadas por uma estrutura pensada para receber uma criança. A decisão consciente de ter filhos também influencia no psicológico dos tutores, preparando-os para as partes difíceis de se criar um ser humano. O que quero dizer é: filhos que nascem dessa forma terão melhores oportunidades. E isso não é sorte, é uma decisão dos pais. Ainda, um casal que não planeje especificamente, mas possua a estrutura necessária, pode simplesmente se dar o luxo de confiar no acaso, e ainda assim, seu rebento teria os confortos e condições necessárias para se desenvolver plenamente.

Por outro lado, que condições adolescentes grávidas poderão dar à seus filhos de se desenvolverem? Que responsabilidade é essa que, diante de uma situação já penosa, coloca na equação um ser humano necessitado de atenção, cuidado e chances para se desenvolver plenamente? Em uma sociedade ignorante, mais e mais filhos se encontram nessa situação, totalmente sem culpa. Eles estão fadados à, no mínimo, ter que se esforçar muito mais do que os outros. No máximo, tomar as mesmas decisões e perpetuar esse ciclo. Os "Joaquim Barbosa" são raros, exceções que confirmam a regra, já que sua batalha foi muito mais árdua do que a de qualquer pessoa com mais oportunidades. Seus filhos sem dúvida não se depararão com tamanhas agruras, e aí vem outro ponto que merece comentário.

Herança é "oportunidade"? Eu pessoalmente acho que não. Um lar estável, uma renda compatível, acessos sem excessos não são "privilégios". São consequências de uma luta diária, talvez não travada pelo beneficiado, mas por seus tutores. Frutos do trabalho não são vergonha a ser estampada, são vitórias a serem exaltadas por garantir às futuras gerações tranquilidade para chegar a maiores alturas ou tão alto quando as anteriores.

Oportunidades vêm de sorte, sim, mas também vem de esforço individual e de uma base pré-disposta que auxilie na busca da excelência. Os dois fatores podem ainda vir juntos, mas o esforço individual sem base é um esforço magnânimo, e uma base fantástica sem o esforço individual desconstrói aos poucos o que foi conquistado. E a pergunta que fica: achamos os responsáveis, agora, o que fazer? E eu respondo: nada. Impossível tocar nesse assunto sem receber diversas críticas. Não há como regular um direito humano. Aceitamos então esta situação, mas creio que, se pensar um pouco, quem fizer esse esforço mental acaba por não acreditar mais que os privilégios e oportunidades (ou sua falta) sejam totalmente culpa da sociedade.

17 de abr. de 2018

Vitórias

O que é uma vitória? É sair vencedor em uma contenda contra um algoz, o inimigo. Algo a ser celebrado e admirado, sem dúvida! Contos de vitórias lendárias na arte são fonte constante de entretenimento e provocam admiração e inspiração.

Quando eu penso em vitórias no atual contexto, no entanto, eu vejo que o foco mudou. Antes o inimigo era externo, visível e claramente definido. Até hoje ainda existe quem acredite neste conto: que existe um inimigo a ser combatido, e da derrota deste restará um mundo utópico melhor. Hoje em dia o maior inimigo nos fita, provocativamente, todo dia, quando nos olhamos no espelho.

E as vitórias, essas mudaram também. Emagrecer é uma vitória, ficar saudável através de exercícios, conquistar um título acadêmico, superar os limites impostos por nós mesmos passou a ser vitória maior. A auto-ajuda cresce vertiginosamente, e o maior motivo é que nos tornamos nossos maiores inimigos. A preguiça, aliada ao entretenimento praticamente infinito, nos transforma em sedentários. O fracasso eminente a cada passo nos impede de buscar novas colocações acadêmicas e profissionais. A rotina nos entorpece e impede a busca da felicidade. Não essa felicidade radiante dos filmes. A menor, mais escondida, felicidade de estar vivo. A vida pulsante, a descoberta, a curiosidade e o fascínio.

Não estou dizendo que devemos nos dedicar à uma busca constante. A felicidade acontece por acaso e a cada momento. Basta prestar atenção.

E talvez comemorar menos as vitórias contra si mesmo. Afinal de contas, se você é seu pior inimigo, talvez seja a hora de entrar em uma trégua?

As redes sociais nos bombardeiam com pessoas radiantes, com energia de sobra, totalmente diferentes de muitos de nós em tantos níveis. Uma vitrine constante das vitórias que não obtivemos sobre nós mesmos. Uma lembrança sempre presente das derrotas que sofremos pela apatia, e dos limites que impomos à nós mesmos pois a mente conformada é uma mente tranquila.

Mas pense bem. Ninguém é igual. Apesar da mídia nos impor uma imagem ideal, inalcançável, editada e invejável, você não precisa ser nada daquilo.

É sempre bom investir em você mesmo, e aí se encontra o grande equilíbrio que parece ter se perdido entre as propagandas. Nem tudo é possível se você se dedicar. Você não é igual a ninguém. As capacidades e aptidões físicas e mentais variam tanto entre indivíduos que é impossível comparar pessoas. Não existe "bala mágica", tratamento milagroso que funcione em todos os casos, programa de treino que qualquer um possa usar. A cultura da auto-ajuda, aliada a nosso momento "pós-verdade" torna muitas pessoas deprimidas e desiludidas. A régua passada sobre os pontos fracos e fortes do indivíduo acaba com o psicológico, e as vezes o físico, e resulta em seres humanos doentes.

Fazer o seu melhor e encontrar motivação não é fácil, mas não é impossível. Se conformar é bem mais fácil. Ainda assim, não importa o seu melhor, não vai ser possível ser perfeito, ou ser a imagem que você quer pois foi instruído assim por um bombardeio alarmista de mídia. Se conforme em ser o melhor que você conseguir, e busque a felicidade nos pequenos e incessantes momentos vividos.