Comportamento, ciência, tecnologia, direito, política, religião, cinema e televisão, alguma controvérsia, algum bom senso, e um pouquinho de besteira, para dar um gostinho...

23 de nov. de 2022

TDAH - Hiperfoco - Exaustão e tratamento

 Muitos anos atrás eu fui diagnosticado com TDAH. Foi bem antes de ler "Tendência a Distração", livro de Edward M. Hallowell e John J. Ratey que fala sobre vários casos do transtorno em adultos e crianças (e me deu a certeza, após me identificar com vários relatos). Na época em que recebi o diagnóstico, foi de uma psicóloga recém formada, trabalhando de graça no mesmo lugar que eu. Não foi bem uma consulta. Recebi como recomendação na época tentar medicamentos ou continuar terapia. Meus pais já gastavam uma nota me mantendo em um curso superior em uma cidade de alto custo de vida, mesmo em uma Universidade Federal, e eu era "altamente funcional" então enterrei esse aspecto, para ser lembrado dele anos depois, já estável em um emprego, quando não consegui terminar o curso de graduação.

Mas foi um abalo mínimo, mais perda de tempo que qualquer coisa.

De lá para cá "manejar" a minha neuro atipicidade foi, podemos dizer, fácil, a chegada da minha filha me fez adquirir habilidades antes impossíveis de concentração. Parece que quando a aposta é alta, a resposta também é, e não tem aposta mais alta que a minha bebê. Até que entrei em uma espiral descendente com uma soma de fatores. Várias responsabilidades, falta de motivação, apatia e cansaço, muitas doenças seguidas e um sentimento de que a coisa não estava melhorando.

Com a ajuda da esposa (e da nossa filha, jóia da minha existência), atravessei essa tempestade e estou no caminho da recuperação, embora sinta que preciso de mais um pouco de tempo para perder esse cansaço que me abala, atrapalha meu serviço e atividades.

Para explicar: eu não tenho depressão. Depressão não passa pela minha cabeça. Tenho muita pena de quem sofre as consequências dessa doença terrível, mas nunca fiquei deprimido. O cérebro TDAH geralmente não fica deprimido. Eu amo a vida, amo atividades, gosto de várias coisas e tenho paixão pela minha esposa e filha. O que domina o TDAH é a apatia. É o cansaço. É ver nas obrigações uma tarefa intransponível, que certamente causará muito mais dor ao ser encarada do que ao ser ignorada. Uma ansiedade que atrapalha o sono e a concentração (já ferrada). Muitas obrigações. Aí vem o grande problema. Eu não consigo iniciar as tarefas. Depois que elas começam até a coisa anda, mas para começar, está complicado. Esse ano isso se mostrou inescapável, e teria perdido um ano inteiro de estudos, não fosse o apoio inigualável da minha esposa.

No trabalho, os colegas ajudam bastante. É a salvação.

Por outro lado, eu tenho hiperfoco. É um período de imensa concentração. Nesse tempo, o objeto da atividade tem atenção inescapável. É possível escrever por horas, dias. É fácil, até divertido. Os problemas são resolvidos, as questões se abrem e o mundo fica mais fácil de navegar. Até que passe. 

Por isso resolvi tentar tratamento. 20 anos depois do diagnóstico inicial. Vamos ver o que mudou no tratamento e manutenção da condição. Vamos tentar retomar a alta produtividade que me abandonou no início da pandemia e que teima em não voltar. Dizem que o primeiro passo é admitir o problema, mas eu não só admito como confesso, se necessário, e sempre foi assim.

Experimentei remédios alguns anos depois do diagnóstico. Modafinila e Ritalina. Era horrível, apesar da concentração aumentada, os efeitos eram sentidos do início ao fim, e eu me sentia outra pessoa. A sensação de ser outra pessoa é muito ruim (ainda mais de ser essa pessoa só quando sob efeito de um remédio), saber o momento exato que a droga age, até parar o efeito. Parece até a música do Ed Sheeran - Bloodstream. Tell me when it kicks in.

Mas vai saber, a indústria farmacêutica evoluiu muito. A área terapêutica também. O negócio é que percebi que sozinho a coisa não estava andando. Então vamos pedir ajuda profissional! Nova fase. Exercícios, dieta melhor, melhores costumes, muita água e sol... E terapia.

11 de nov. de 2022

Muito tempo atrás, em uma galáxia muito distante

Eu estudei bastante nesses últimos 23 anos. Vão-se alguns cursos superiores, algumas especializações, vários cursos e incontáveis horas de pesquisa e trabalho.


Eu trabalho com Informática desde 1994, mas fui aprender a programar em 1999 e me apaixonei. Em 2000, após trabalhar um bom tempo com PHP e o (deveria ser) defunto ASP, eu aprendi ActionScript. Para quem não sabe, essa linguagem é a que o Flash (sim, aquele, da Macromedia, posteriormente da Adobe, conhecido pelas inúmeras falhas de segurança, e a inovadora ideia de interface rica BEM antes da Web 2.0) usava para criar interação e animações.

Ninguém sabia ActionScript na época, e uma das únicas fontes de conhecimento eram os manuais técnicos da própria Macromedia. Não era fácil.

Quando me empolgo com algo, eu fico hiperfocado. É um problema e uma solução em si. Com hiperfoco consigo assimilar conhecimento rapidamente e avançar dias em horas. Mas até ele chegar, tudo é muito difícil e a apatia me domina.

Não vem ao caso, eu era especialista em ActionScript e "programação" Flash. Eu também era estagiário em uma instituição, e trabalhava prá caramba. Essa instituição tinha vários departamentos, e eu fazia parte de dois deles, digamos, duas áreas distintas relacionadas, mas separadas. Trabalhava em uma, e fazia parte da outra.

Um dia, estava trabalhando e recebi uma ligação do meu chefe. Reunião. Agora. Cheguei lá fui informado que deveria parar tudo que estava fazendo, pois um projeto do outro departamento precisava da minha ajuda. Era um problema relacionado ao ActionScript. Como o pessoal do outro departamento tinha muita influência com a direção da empresa, eles me "requisitaram", eu não era um estranho lá, mas não gostava muito daquele pessoal. Eram meio egocêntricos e meio cheios de si, se achando melhores que o "pessoal do suporte" do qual eu fazia parte.

Ao chegar lá me explicaram o problema. Um "especialista" em ActionScript tinha criado uma animação especial para o aniversário do departamento. Seria exibido (eram mais ou menos 2m30s) para a Diretoria e convidados em uma festa marcada para dali 10 dias. Estava pronto. Acontece que o "especialista" que criou o negócio não entendia nada da exportação e execução dos vídeos FLV que o Flash exportava. Quando foram exportar, o vídeo ficou gigante, e nenhuma máquina conseguia rodar ele. As frames se atrasavam em relação ao som, criando uma coisa horrível.

Eu era o novo "chefe" daquele projeto. Foi uma semana coordenando o time, distribuindo tarefas entre o software (otimizando o vídeo, imagens e som) e hardware (criando um computador "state of the art" para conseguir rodar aquele negócio suave. Foi muito trabalho, madrugadas perdidas, muito estudo, stress e suor. Mas cumprimos o prazo. Estava rodando, liso, toda vez, show de bola.

O departamento então pegou nosso time, pagou um jantar chique, elogiaram muito o trabalho.

Acontece que, chegando mais perto a data do evento. Não veio o convite. Eu ERA daquele departamento (também, só não recebia pagamento deles). Não fui convidado para a apresentação do vídeo que eu criei. Era o início das redes sociais e eu vi essa galera (que tinha ferrado com o projeto antes de eu chegar) ganhando PRÊMIO pelo projeto, tomando champagne e festejando.

Eu tinha 19 anos e aprendi que nem sempre trabalho duro era reconhecido. Muito menos recompensado. Fui uma dura lição.

Mas faz muito tempo, e fora a lembrança, nenhum sentimento é despertado, mas vale a pena relembrar.

18 de jun. de 2022

Mudanças na vida e evolução

 Em uma conversa por esses dias com amigos, ponderamos as mudanças absurdas em nossas vidas que alguns eventos voluntários criam. Afinal, qual seria o motivo para aceitarmos de boa vontade mudanças radicais que duram literalmente o resto da vida? Não seria mais fácil se deixar levar pelas ondas da vida sem criar compromissos permanentes?

Os principais eventos discutidos foram os básicos: relacionamento e filhos. Acho que dá até para considerar um consequência do outro. Estamos falando, claro, de eventos planejados. Filhos fora do relacionamento, por exemplo, podem ser um evento não planejado (mas afetar a vida da mesma forma). Mas para efeitos desta argumentação eu uso o evento voluntário por um simples motivo: ele evidencia a vontade consciente de criar esse compromisso, e a responsabilidade permanente de viver com essa decisão.

Depois da conversa comecei a pensar mais sobre isso, e cheguei à algumas conclusões. São exemplos meus, e portanto, não universais. Também se aplicam à minha forma de relacionamento / paternidade, muito mais do que outras pessoas... Cada um leva o compromisso da forma que melhor lhe aprouver.

Para mim o relacionamento íntimo e a paternidade são mais que meros compromissos individuais. Existe uma responsabilidade com a sociedade que nos permite viver da forma que vivemos. Também com a família, aumentar esse núcleo de ajuda mútua e convivência. E em última forma, criar uma sociedade melhor, preparando nossos filhos para terem esta mesma responsabilidade e contribuir para uma evolução social, sem esquecer a individualidade e os compromissos com família estendida, círculo social mais próximo (escola, amigos), e a entidade familiar básica (pais, irmãos).

Eu sou um questionador, e portanto questiono até meu status quo. E ainda assim, intimamente, não imagino minha vida sem minha esposa e filha. Há percalços (sociais, relacionais, financeiros, psicológicos) relacionados à manter essa unidade. Mas esses são adubo que levam à uma colheita repleta de felicidade, momentos impossíveis e emoções intermináveis.

Então, ao observar os casais "child free", ou os eternos solteiros. Conversar sobre os compromissos, ou falta deles, observados em suas vidas, acabo lembrando que eu passei por isso. Realmente é muito confortável manter-se assim. E da mesma forma, eu sinto que há uma dívida social à ser paga, que envolve não só seus pais, irmãos, chefes, mas toda a sociedade como colcha de retalhos que nos provê serviços, produtos e proteção. Manter-se alheio à isso é uma perda social. Se você resolve retribuir de outra forma (empreendedores por exemplo, tem dificuldade em manter esses tipos de relações, mas contribuem com a evolução social de outra forma, até como mentores), tudo bem. Mas eu vejo muitas pessoas, e muitos casais, andando pela vida sem pensar nisso.

Para mim, um relacionamento estável provê as dificuldades necessárias para de fato aproveitar tudo de bom relacionado. Intimidade, cumplicidade e apoio mútuo. E quem não percebe isso, em minha modesta opinião, está perdendo tempo, pois este tipo de relacionamento é como um investimento muito bem feito. Demora para dar frutos, e continua rendendo estes para sempre.

Filhos são outra face da mesma moeda. Proporcionam experiências impossíveis de conseguir de outra forma. Não tem como descrever. Literalmente mudam a forma como nos vemos, como nos sentimos, como seres humanos. Ter esse tipo de responsabilidade sobre um bebê ou criança é uma experiência não só enriquecedora, mas sim transformadora. Você não é mais o mesmo. É melhor. Não é vaidade, é realidade. Quando seus planos incluem esse tipo de responsabilidade, você não é mais a mesma pessoa. Se torna mais confiável, mais responsável, mais crítico. Preparar sua criança para a vida, família e sociedade é uma aventura com impactos em todos os aspectos. Para melhor.

Em suma, observando a dicotomia entre a liberdade e a responsabilidade, tenho algumas conclusões. Antes de mais nada, cada um faz o que quer com sua vida. Esta máxima deve ser respeitada. Ainda assim, a minha experiência diz que esses eventos (casamento, filhos) são experiências que engrandecem de uma forma impossível de conseguir de outra forma (claro, adoção por exemplo, também encaixa). Também não são mutuamente excludentes, ou impossíveis de separar. Mudar assim exige uma força muito grande. E por fim: isso melhora você como pessoa, como indivíduo, como trabalhador, como parte da sociedade. Aconselho pensar bastante, pois da mesma forma chego à conclusão que não é para todos, e nem todos conseguem as experiências que descrevi simplesmente "casando e reproduzindo". Mas para quem se aventura de cabeça, a experiência é de mudança de vida, para melhor.

18 de mai. de 2022

Minha filha vai ser atea?

 A resposta é: não sei!

E é uma excelente resposta. Talvez por ser um ateu agnóstico, e também não "saber" por definição.

Minha esposa é teísta, uma católica não praticante. Minha filha sabe rezar para os anjinhos. E eu não me importo. E eu consigo elaborar um motivo muito interessante para não só aceitar isso, como achar isso excelente.

Primeiro, a minha própria jornada ao ateísmo só foi concluída aos 25 anos. Foi muita experiência, muita reflexão, muita crise existencial e muita contemplação até chegar onde cheguei (e permaneço, por enquanto). Então exigir isso da minha filha de 3 anos seria não só uma crueldade, mas um disparate. No entanto, eu tenho algumas resoluções: eu não minto para ela, e eu tento explicar para ela como as coisas funcionam. Dito isso, a perda recente do meu pai, o vovô dela, não deixou barato. Minhas convicções se abalaram, como qualquer momento de grande emoção pode fazer. E abandonei a militância. As pessoas nesse momento não querem saber de sua convicção pessoal. E não se deve abandonar a civilidade e empatia pela busca da realidade nua e crua. Então, quando minha esposa disse para ela que o vovô tinha virado uma estrelinha, eu aceitei que para a idade dela, essa explicação estava muito boa.

A nossa mente adulta por vezes esquece a sequência de eventos e aprendizado que nos levou até o ponto em que estamos. A melhor analogia para isso eu busco na matemática, mais especificamente o sistema decimal. Aprendemos a contar de 1 à 10 e ninguém nos explica o motivo. É que para a mente jovem, assimilar esse conceito complexo fica mais fácil se deixarmos ele mais simples. Contamos de 1 em diante e viramos de 10 em 10 pois é assim e pronto! Se você fosse explicar o sistema decimal de verdade, precisaria de conceitos muito complexos, como potenciação, propriedades desta e suas implicações. 0 é zero. 1 é 10 elevado na potência 0 (como qualquer número), e aí a representação é a multiplicação dos dígitos do sistema até "virar".

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1234 (mil, duzentos e trinta e quatro) é simplesmente 1000 (1x10³) somado com 200 (2x10²) somado com 30 (3x10) somado com 4 (4x10°) - tão simples e tão complexo...

Tem muito adulto que não sabe isso. Não faz parte dos currículos normais das escolas (o que é uma pena, pois depois esses alunos penam se quiserem entrar em algum campo de ciência, tecnologia, matemática ou engenharia, que usam outros sistema como hexadecimal e binário). Agora imagine tentar explicar isso para uma criança de 6 anos. É a mesma coisa que tentar explicar a morte para uma criança de 3 anos. Não tem como. Eles não estão preparados, e provavelmente não estarão por um bom tempo. Não é como se a racionalização que fazemos no alto do nosso desenvolvimento mental completo possa se comparar com eles.

Então, eu vou acompanhar a jornada da minha filha, sempre com honestidade, sempre com atenção, mas sem impor nada. Nem minhas ideias, por serem minhas, nem minha jornada, por ser longa, nem minha convicção, por ser pessoal. Só posso guiar essa jornada, sem empurrar em nenhuma direção, apenas fornecendo informação, e esperar ela chegar à própria conclusão. E depois apoiar ela nisso, pois aí já é a missão dos pais.