Comportamento, ciência, tecnologia, direito, política, religião, cinema e televisão, alguma controvérsia, algum bom senso, e um pouquinho de besteira, para dar um gostinho...

4 de jul. de 2015

Sobre decisões

Me assusta a falta de empatia social estampada nas redes, ditas sociais. Pessoas que nunca passaram por problemas sérios falam deles como se o mundo fosse preto e branco, e tudo fosse resultado de escolhas. Como se todas as escolhas dependessem exclusivamente de sua motivação moral e índole. Pessoas boas serão boas, pessoas ruins serão ruins. O pior disso é que recentemente tivemos até a mídia de entretenimento explorando exatamente o contrário: as nuances sociais e pessoais que nos definem (alguém olhou Breaking Bad?).

O mundo é cinza. Essa moralidade complexa fruto de nossas interações sociais tem consequências absurdas sobre a vida das pessoas. Uma pessoa má cria um efeito cascata que muda o ambiente e as pessoas. Para ter uma consciência maior disso, não precisamos ir muito longe, basta ver alguns casos que norteiam as dicotomias morais no mundo. Alguns são extremos, outros não tanto. Alguns são estudados nas Ciências Jurídicas e Sociais, e outros são fruto de conversas que tive com pessoas de visões bem diferentes da minha e que iluminaram essa complexidade absurda que pode fazer uma pessoa boa fazer algo ruim.

Antes de mais nada, o clássico da Introdução ao Estudo do Direito: o Caso dos Exploradores de Cavernas. 5 homens ficam soterrados ao explorar uma caverna, em contato com a equipe de busca via rádio e após 20 dias de sofrimento, são informados que o resgate vai demorar, o que provavelmente os levará a morte por inanição. Daí surge a ideia de sacrificar um dos exploradores, para servir de alimento aos outros. O proponente da ideia é, por sorteio, o escolhido, mas obviamente não aceita a decisão. Os outros então o matam, e acabam sendo resgatados, indo a julgamento por homicídio.

Outro caso interessante, a Caverna de Platão. Homens estão presos em uma caverna, nasceram lá e ficaram na mesma posição por toda a vida, vislumbrando uma parede iluminada pelas sombras dos transeuntes, animais e coisas do lado de fora. Sempre de costas (preciso salientar que a situação é hipotética?). Um deles se solta e explora o mundo, retornando para caverna para expor aos seus encarcerados irmãos que o mundo é muito mais que as sombras, que existem pessoas, animais, objetos. Estes, obviamente, duvidam de seu relato, o julgam louco, em devaneios. Ameaçam-no de morte se continuar bradando disparates.

Vamos para um caso mais concreto. Suponhamos que você seja um policial. Por simples acaso, após uma carreira impecável, você se depara com um caso de alto escalão. Pessoas muito influentes e poderosas, que logo se provam, também, perigosas, pois testemunhas desaparecem sem deixar vestígio, e alguns corpos são encontrados, de gente envolvida, mas sem provas. Por um acaso, também, você acaba de posse da prova cabal dos crimes, durante a investigação. Esta prova levará para a prisão os responsáveis, sem dúvida. Então você encontra um envelope no seu carro. Nele estão 100 mil reais, fotos de toda a sua família, um itinerário completo com datas e horários, inclusive futuros, de onde estarão sua esposa, filhos e pais nos próximos dias, fotos do interior de sua casa, uma inclusive de seu filho dormindo na cama, durante a madrugada, e instruções de como fazer a prova sob sua tutela desaparecer.

Suponhamos que esse caso aconteça no Brasil, onde as despreparadas forças de segurança mal conseguem manter seu efetivo. Onde o "programa de proteção a testemunhas" não funciona da forma correta. Digamos que nas fotos encontram-se seus amigos, tios, primos, colegas. Você SABE que o Estado não conseguirá protegê-los. Isso não é um filme, é a realidade. Você não come, não dorme mais, se desespera, não deixa sua esposa ir trabalhar, nem seus filhos irem a escola. A coisa certa, obviamente, é entregar a prova as autoridades, e tentar proteger sua família. Aceitar o dinheiro é imoral. Devolvê-lo não é uma opção, se livrar dele é suspeito. Você não pode contar a ninguém, está sozinho. O que você faz?

É a velha história da Caixa. Você está na pior situação possível. Sua esposa morrendo de uma doença tratável, mas cujo tratamento é caríssimo. Não existe como arrecadar esse dinheiro, e a existência dele é a diferença entre a vida e a morte para sua esposa. Aparece um estranho, com uma caixa. Dentro um botão vermelho. Diz ele, se você apertar o botão, alguém que você não conhece morrerá, automaticamente, e 1 milhão será depositado na sua conta. Você tem 24 horas para decidir.

Escolhas morais difíceis existem, e a situação ajuda a tomar decisões imorais, até ilegais.

Se você morasse na favela, seria como os habitantes da caverna de Platão. Não existe outra realidade para você. Você viu seus pais, irmãos, tios e primos viverem essa vida, e não vê saída. Ser diferente pode custar sua vida, e não há garantias que o seu esforço intelectual garanta seu futuro. Não lhe foram dadas escolhas, você seguiu a vida em um movimento natural que o levou até onde está.

O Estado para essas crianças e adolescente é o inimigo. O policial é o porco. O intelectual é o bacana, ser distante, inexpressivo, irrelevante para a dura e violenta realidade. E eles vivem a melhor vida que conseguirem.

Enquanto isso, o adolescente, jovem ou adulto que teve suas oportunidades pavimentadas por outros antes dele, chama os desafortunados de vagabundos, de bandidos, marginais. Vamos extirpá-los, removê-los da sociedade, prendê-los. O que não notam é que a sociedade já fez isso, e foi isso que os tornou o que eles são.

Veja bem, existem pessoas boas e existem pessoas ruins. E existem pessoas boas que são ruins por não terem escolha, e existem pessoas ruins que se passam por boas e roubam apenas dinheiro, dinheiro público que alimentaria as crianças e manteria elas na escola, as boas e ruins, para que elas tivessem outra opção, menos violenta, de vida. O Estado falhou ao protegê-las, falha ao punir, e falha ao educar. E nós somos o Estado, basta ver que 24 deputados mudaram de voto após pressão popular sobre a maioridade penal.

Não houve pressão sobre a retirada dos recursos do pré-sal da educação. Não há pressão sob a federalização das escolas, o aumento dos salários dos professores, o aumento do salário da PM, a construção de clínicas em todas as cidades, e de pólos de diagnóstico centralizados modernos e públicos.

Parece que as pessoas vivem, elas sim, em uma caverna. Nessa caverna, só existem pessoas boas, e ruins. Não existem escolhas complexas, que talvez, se impostas a elas, fariam com que elas decidissem errado. Hipocrisia?

Eu SEI que devo tudo aos meus pais, aos meus irmãos, a minha família, esposa e a família dela. Sei que sou fruto de um caminho pavimentado a suor e trabalho de gerações anteriores, e meus pais me lembram disso sempre. Sei que o exemplo dos meus irmãos ajudou a moldar minha personalidade, e sei que as oportunidades só se apresentaram, e só aproveitei elas, por ter quem me sustentasse no meio do caminho. E sei que talvez, em outra realidade, tivesse tomado decisões erradas. E sei que nossa sociedade tem seus problemas não na redução da maioridade penal, e sim na redução das mentes das pessoas, que acham que, por existirem jovens que rastejam de sua posição social baixa em direção a um futuro melhor, a duras penas, todos possam fazer isso. Sendo que eles, em si, nunca precisaram fazer. O problema é que as pessoas vivem em cavernas, dentro de suas mentes, e acabam sem empatia.

Eu também clamo por justiça, sinto raiva, defendo a punição, é natural. Sinto que a violência deve ser punida na mesma proporção e sou a favor da legítima defesa. Isso não impede que eu veja muita coisa errada, e seja contra uma lei que eu sei, em nada contribui ao debate real.