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18 de mai. de 2022

Minha filha vai ser atea?

 A resposta é: não sei!

E é uma excelente resposta. Talvez por ser um ateu agnóstico, e também não "saber" por definição.

Minha esposa é teísta, uma católica não praticante. Minha filha sabe rezar para os anjinhos. E eu não me importo. E eu consigo elaborar um motivo muito interessante para não só aceitar isso, como achar isso excelente.

Primeiro, a minha própria jornada ao ateísmo só foi concluída aos 25 anos. Foi muita experiência, muita reflexão, muita crise existencial e muita contemplação até chegar onde cheguei (e permaneço, por enquanto). Então exigir isso da minha filha de 3 anos seria não só uma crueldade, mas um disparate. No entanto, eu tenho algumas resoluções: eu não minto para ela, e eu tento explicar para ela como as coisas funcionam. Dito isso, a perda recente do meu pai, o vovô dela, não deixou barato. Minhas convicções se abalaram, como qualquer momento de grande emoção pode fazer. E abandonei a militância. As pessoas nesse momento não querem saber de sua convicção pessoal. E não se deve abandonar a civilidade e empatia pela busca da realidade nua e crua. Então, quando minha esposa disse para ela que o vovô tinha virado uma estrelinha, eu aceitei que para a idade dela, essa explicação estava muito boa.

A nossa mente adulta por vezes esquece a sequência de eventos e aprendizado que nos levou até o ponto em que estamos. A melhor analogia para isso eu busco na matemática, mais especificamente o sistema decimal. Aprendemos a contar de 1 à 10 e ninguém nos explica o motivo. É que para a mente jovem, assimilar esse conceito complexo fica mais fácil se deixarmos ele mais simples. Contamos de 1 em diante e viramos de 10 em 10 pois é assim e pronto! Se você fosse explicar o sistema decimal de verdade, precisaria de conceitos muito complexos, como potenciação, propriedades desta e suas implicações. 0 é zero. 1 é 10 elevado na potência 0 (como qualquer número), e aí a representação é a multiplicação dos dígitos do sistema até "virar".

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1234 (mil, duzentos e trinta e quatro) é simplesmente 1000 (1x10³) somado com 200 (2x10²) somado com 30 (3x10) somado com 4 (4x10°) - tão simples e tão complexo...

Tem muito adulto que não sabe isso. Não faz parte dos currículos normais das escolas (o que é uma pena, pois depois esses alunos penam se quiserem entrar em algum campo de ciência, tecnologia, matemática ou engenharia, que usam outros sistema como hexadecimal e binário). Agora imagine tentar explicar isso para uma criança de 6 anos. É a mesma coisa que tentar explicar a morte para uma criança de 3 anos. Não tem como. Eles não estão preparados, e provavelmente não estarão por um bom tempo. Não é como se a racionalização que fazemos no alto do nosso desenvolvimento mental completo possa se comparar com eles.

Então, eu vou acompanhar a jornada da minha filha, sempre com honestidade, sempre com atenção, mas sem impor nada. Nem minhas ideias, por serem minhas, nem minha jornada, por ser longa, nem minha convicção, por ser pessoal. Só posso guiar essa jornada, sem empurrar em nenhuma direção, apenas fornecendo informação, e esperar ela chegar à própria conclusão. E depois apoiar ela nisso, pois aí já é a missão dos pais.