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31 de jan. de 2017

Quando "amor" vira pronome

Eu sempre gostei de nossa língua. Acho ela complicada, difícil, indomável, linda e única. Praticamente o mesmo que acho da minha esposa. Falar e escrever nosso português brasileiro é um desafio que encaro todos os dias. Comunicar-se em uma sociedade carente de educação é um desafio, e muitas vezes é preciso decifrar o que seu interlocutor quer dizer, ainda mais quando lidamos com um público diverso que representa uma média interessante da nossa população.

Dito isso, palavras carregam peso. Qualquer comunicação iniciada é um risco calculado, já que palavras podem ser mais pesadas que armas, e como as últimas, uma vez disparadas, não tem como tomá-las de volta. Aprendi isso da única maneira que sei como: errando. Lançando palavras ao vento e observando elas voltarem para destruir algo que construí. E continuo errando! É incrivelmente difícil educar-se a não dizer tudo que pensamos. É incrivelmente prático aprender essa habilidade, mas sua maestria vem apenas com o treino. Acho que não vivi o suficiente ainda.

Não me sinto confortável para entrar nas minúcias linguísticas que caracterizam objetos, advérbios, verbos, artigos, pronomes, substantivos e adjetivos. Mas posso falar sobre o amor. Especialmente quando ele deixa de indicar um sentimento, e passa a indicar uma pessoa. Pior ainda, é quando o usamos para indicar esta pessoa em particular e ele se torna um pronome. Como você, ou tu: amor, me ajude aqui!

É uma intimidade vivida poucas vezes de verdade. Exige tempo, este sim de valor imensurável em nosso mundo frenético. Me perdoem a nostalgia, mas hoje tudo é descartável, fugaz. Música, gostos, amores. Todos fluem rápido em meio ao mundo de informação em que o tempo de atenção máximo é 10 minutos. Eu sinto isso me afetar mesmo sendo de outra geração, quando paro algo que estou fazendo pois exige investir muito tempo. A busca de atalhos tornou a vida uma espécie de fluxo (como a água, ou a eletricidade) em que buscamos constantemente o caminho mais fácil, de menor resistência, mas sem a resiliência que talvez nos permitisse atravessar, aprender e quem sabe, criar. Muitas vezes acabamos desistindo, e todo um investimento vai à ruína pela simples economia de esforço. Pelo medo da mudança. Pelo abandono do "nós", pelo "eu".

Então eu me deparo com o amor, o meu, no caso. E ela está lá, ainda, após anos. Na família, na roda do bar, com os amigos, na hora de me referir a ela: amor. Meu amor! Que êxtase em ter passado tempo suficiente para tornar essa substituição nominal tão natural que nem percebo seu uso. Na verdade foi uma epifania notar isso e escrever esse texto, tamanha surpresa ao analisar esse uso estranho para a palavra.

Então, nessa palavra dita, personificada, reside um sentimento. Esse sentimento confortável pela cumplicidade dos anos, demonstrado em frases o tempo todo, e não paramos para pensar nisso. Essa palavra falada constantemente sem medo das consequências indica um nível de conforto que evidencia um relacionamento tão raro hoje em dia. Quem sabe tomar consciência disso seja saudável. Lembrar do esforço que levou a essa situação, dos frutos incontáveis desse investimento. Da construção linda e reforma constante que exige manter-se unidos.

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