Comportamento, ciência, tecnologia, direito, política, religião, cinema e televisão, alguma controvérsia, algum bom senso, e um pouquinho de besteira, para dar um gostinho...

14 de out. de 2012

Seu animal de estimação e você...


Explicar a relação entre um cachorro e seu dono humano em termos humanos é complicado. No entanto, como em tantas outras situações, se nos distanciamos de nossas certezas, dogmas e antropocentrismo, talvez seja possível. Antes de mais nada, cachorros não sentem como os seres humanos. Nenhum bicho sente como o ser humano na verdade. A explicação é uma intrincada relação entre evolução, sociedade e relacionamentos que não cabe discutir nesse post.

Eu cheguei a essa conclusão pouco tempo atrás, quando pude perceber uma "relação" entre dois bichos ser destruída por uma intervenção cirúrgica. Na casa da minha sogra existe uma gata, uma mestiça siamês de 6 anos de idade. Na época ela ficou prenha e teve alguns filhotes. Alguns morreram, outros foram doados, mas um deles ficou "por lá". A gata se relacionava bem com ele, como é normal a uma mãe e seu filhote.

Depois do desmame, a relação entre os dois continuava sólida. Embora a mãe tivesse privilégios (como frequentar o interior da casa), o filhote estava sempre por perto, e era cuidado pela minha sogra. Mas houve uma certa preocupação. Já era a terceira ou quarta ninhada dela e não queríamos mais uma. A solução natural: castrar a gata. Uma cirurgia em uma gata que nunca havia sido transportada, nunca tinha usado uma coleira. Mas enfim, o procedimento foi executado e a gata retornou ao lar recuperada, a cirurgia tinha sido um sucesso e mesmo o trauma da recuperação na clínica não tinha afetado a relação do felino com a minha sogra ou mesmo conosco.

No entanto, assim que ela chegou, o filhote percebeu, e resolveu ir recepcionar a mãe. A gata-mãe expulsou o filhote, enfurecida. A relação dos dois se tornou instável, ela não mais permitiu que ele se aproximasse, muito menos dividisse a comida como antes. Uma mãe rejeitou seu filhote. Se olharmos em termos humanos, a idéia é revoltante. No entanto, a castração promoveu a remoção dos órgãos reprodutores, grandes produtores dos hormônios da maternidade. Sem estes hormônios, que identificavam a sua prole e instigavam um instinto protetor materno, a gata passou a não reconhecer naquele outro felino seu filhote. Ele agora era um gato macho competindo pelos recursos territoriais com ela.

Depois de um tempo a gata não mais atacou diretamente o seu filhote, a relação entre os dois até hoje é "delicada". Com uma respeitosa distância mantida, a gata assumiu o comando do território e o macho acabou se submetendo, e portanto, deixou de ser uma ameaça potencial. A gata castrada ficou mais caseira, deixou de retornar das "noitadas" com machucados de brigas e se tornou mais dócil. Não sou veterinário, mas me parece óbvio que os hormônios tiveram um papel determinante nos eventos que narrei. Serve para ilustrar a abismal diferença e semelhança entre os relacionamentos entre humanos e entre bichos.

O que me levou a escrever este post foi uma frase da noiva, no almoço: "um cachorro abandonado deve ficar confuso, pois só deu amor e carinho e agora está sozinho, rejeitado". Não. Na verdade, o cachorro não dá "amor" nem "carinho". Eu estou convencido que a melhor palavra para descrever a relação entre um cachorro e seu dono por parte do cachorro é "lealdade". O cachorro recompensa com submissão (não é amor que uma lambida representa, é submissão), lealdade (o cachorro aguarda ordens, espera comandos, quer que você oriente ele no que fazer) e trabalho (vigilância, entretenimento, guarda) uma relação que provê companhia, recursos (água, comida) e segurança. É por isso que um cão reage a violência com submissão ou agressividade, conforme seu relacionamento anterior ensinou, e também é por isso que não podemos culpar um cão agressivo, e sim aos seus donos ou a falta deles.

Embora o cachorro desperte em todos nós o sentimento de que ele é uma criança, ele não é. Ele responde de forma diferente ao ambiente do que um ser humano faria. Ele responde achando que a família humana que o adotou é uma matilha, com líderes que o orientarão em como ser útil e o recompensarão com reconhecimento, companhia, água, comida e um local seguro para dormir. Se um cachorro entra em um lar desequilibrado e sem papéis bem definidos, ele não aprende como receber as recompensas, e acaba tendo que assumir a liderança da relação, o que gera todos os problemas de comportamento que vemos por aí.

Um bicho é, antes de mais nada, um bicho. Antropormofizar este ser é uma violência, um insulto ao seu papel na evolução e aos séculos de aprimoração de nossa relação simbiótica com eles. Tendo isso em mente e aplicando no seu relacionamento com seu cão ou gato, ele será um bichinho equilibrado, se acostumará com sua rotina e se provará uma companhia agradável, um amigo inseparável e uma saudade constante. Quantos de seus amigos humanos são capazes de despertar estes sentimentos em você?

Nenhum comentário: