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9 de out. de 2014

A Improbabilidade de escrever este texto

Eu já abordei vários pontos filosóficos aqui. Cheguei a falar sobre o acaso e tenho no mural sempre uma lembrança do privilégio que é estar vivo, saudável e sem carências, e o privilégio maior ainda de ter consciência e poder ler, escrever e entender. Tempos atrás falei sobre morte em uma reflexão sobre idade. Mencionei que não é algo "feio" ou "obscuro" contemplar a nossa própria finitude. Hoje vou um pouco mais longe, falar sobre improbabilidade.

Quando falei sobre morte, lembrei de um texto de Richard Dawkins:

“Nós vamos morrer, e isso nos torna afortunados. A maioria das pessoas nunca vai morrer, porque nunca vai nascer. As pessoas potenciais que poderiam estar no meu lugar, mas que jamais verão a luz o dia, são mais numerosas que os grãos de areia do deserto. Certamente esses fantasmas não nascidos incluem poetas maiores que Keats, cientistas maiores que Newton. Sabemos disso porque o conjunto das pessoas possíveis permitidas pelo nosso DNA excede em muito o conjunto de pessoas reais.  
Apesar dessas probabilidades assombrosas, somos eu e você, com toda a nossa banalidade, que aqui estamos… Nós, uns poucos privilegiados que ganharam na loteria do nascimento, contrariando todas as probabilidades, como nos atrevemos a choramingar por causa do retorno inevitável àquele estado anterior, do qual a enorme maioria jamais nem saiu?”

Veja bem, esse texto não se refere em nenhum momento a espiritualidade, embora use a palavra "fantasma" como uma referência a algo que não existe (ainda). A reflexão feita no texto poderia ser assunto de um discurso muito maior, mas nestes curtos parágrafos existe uma realização incrível: somos sortudos. As pessoas gostam de substituir sorte por benção, numa clara visão teológica, e elas podem fazer isso, desde que os "azarados" também sejam mencionados. A inocência manchada pela dor explicada pelo acaso é bem mais plausível que uma herança anterior ou recompensa posterior. Esse assunto também dá pano para mangas, portanto vou voltar aqui ao principal.

by humonon devianart
A cada dia a física descobre novas informações sobre como o universo (e nós) surgimos. Com "nós", me refiro a espécie, pois cada indivíduo na espécie é tão especial e improvável, pelo motivo citado por Richard: a imensa quantidade de combinações de DNA. Soma-se a isso a experiência que nos forma desde o nascimento, tornando mesmo gêmeos idênticos em indivíduos diferenciados.

De um big bang, a matéria surge, as estrelas começam a "trabalhar" esta matéria como gigantescas fornalhas, tecendo os elementos diferenciados que, após sua explosão, vai se juntar em nuvens. Estas em planetas, e estes, se estiverem no lugar correto, eventualmente atingirão uma temperatura favorável a formação de compostos químicos, estes se juntarão em combinações cada vez mais complexas, ao longo de MILHÕES de anos. O problema dessa teoria é exatamente esse: o tempo. O ser humano se sente especial e portanto acredita que tudo tem que ter sido feito para ele. Pobre ser humano, perdido em seu egocentrismo (confira o cartoon ao lado).

Veja bem, a sequência de eventos que NÃO levaram a formação da vida, e em última instância, a VOCÊ, é toda a outra possibilidade em incontáveis sequências de incontáveis eventos em um espaço de tempo tão grande que força a imaginação. Todos os outros lugares no universo, do qual o nosso PLANETA é menos que um grão de poeira (e nele eu e você também somos pequeninos) não tem um você, nem um eu. Nem nada remotamente parecido, provavelmente.

Vamos tentar reduzir a escala, para não forçar tanto e depois aumentar ela novamente, para situar-nos melhor. O fato de você poder ler e interpretar esse texto, em nosso planeta, já é uma improbabilidade. Nesse século de computadores, internet, cidades e governos não teocráticos, despóticos e/ou tiranos, essa liberdade é uma dádiva. Se você, como eu, é brasileiro, vive em um país que não possui guerras contra outras nações, não tem terremotos, tornados ou tsunamis. Nossas tragédias continuam tragédias, mas se você não foi atingido por uma enchente, chuva de granizo ou até um raio nos últimos tempos, não dá para mensurar a sorte!

Se não foi assaltado, tomou uma bala perdida ou está acima da linha da miséria, quisera, na classe média! Que privilégio, que tempo ótimo para se viver, que canto espetacular do planeta para se criar um filho, que planeta incrível, cheio de vida, em uma localização tão privilegiada em nosso sistema solar.

Quando você se lamentar da vida, pense em quem não viveu, e quem vive em condições deploráveis, aqui mesmo, em nosso pequeno grão de poeira suspenso no universo. Pense nos excluídos, párias e perseguidos. Nos deficientes, sobreviventes e ignorantes. E passe a viver sua vida sem nunca mais tirar isso da cabeça. Pense também que atingir de forma positiva ao menos UM destes seres como você, ou providenciar a outra pessoa uma felicidade, apenas uma, mesmo que momentânea, também é uma improbabilidade, e fique feliz com as coisas que chegam a você.

Um comentário:

Caio Verídico disse...

Muito bom hein! Se puxou nesse texto aí. Lembrou até uma música do Engenheiros do Hawaii: Surfando Karmas & DNA. Se não conhece dá uma conferida.

Abraço!