Solitário, mas não sozinho
Sempre fui um tanto distante. A minha capacidade de organizar mentalmente tarefas, fatos e lembranças sempre foi um tanto bagunçada, tanto como meu quarto, ou minha mesa, ou minha casa. Às vezes eu simplesmente não conseguia me concentrar, ao ponto de ficar irritado comigo mesmo, respirar fundo, suar frio e tentar novamente, apenas para fracassar miseravelmente. Um clip de papel na mesa parecia mais interessante e mais urgente que a tarefa em mãos. Ao mesmo tempo, de uma hora para outra, como um flash, as coisas se organizavam e um fluxo denso e organizado de pensamentos invadia minha mente, ao ponto de não olhar para os lados, nem perceber meu nome sendo chamado. O mundo poderia cair nesses momentos de super-concentração e eu não perceberia. O detalhe é que essa concentração se dava no meio de uma aula que nada tinha a ver com os pensamentos invadindo minha mente. A maior parte dos programas mais complexos que escrevi foram escritos em forma de algoritmo nas páginas de trás do caderno da faculdade de Direito, enquanto simulações mentais e desenhos diagramáticos do programa pareciam fluir da minha mente para o papel.
Tenho milhares de projetos escritos, alguns antigos, de sistemas, programas e utilitários. Muitos designs de sites que gostaria de implementar e milhares de assuntos sobre os quais gostaria de escrever. Mas ao mesmo tempo que eu me interessava por isso, em momentos nunca oportunos, logo depois os esquecia, e os mesmos hoje em dia não passam de anotações perdidas pela casa, ou arquivos .txt espalhados por todos os computadores que usei. Parecia tão difícil terminar uma tarefa, algumas mais do que outras. Eu ia sempre deixando para a última hora, e torcendo para aquele "flash" chegar e eu me dedicar por inteiro aquilo.
Eu passo da mais completa empolgação para uma quase depressão com a mesma facilidade que troco de camiseta. Vou de uma mente completamente vazia que observa com atenção a refração dos raios de luz de uma lâmpada no meu copo de refrigerante, para uma mente explodindo de idéias e pensamentos, aflorando como um manancial. A tendência para simplesmente olhar para o lado e perceber um objeto, fato ou qualquer coisa que me desvie a atenção, e parar o que estou fazendo, às vezes me irrita. Ao mesmo tempo sou capaz de ficar uma tarde organizando meus arquivos no computador em ordem alfabética em pastas estilo UNIX de três letras.
Quando criança, poderia facilmente me divertir uma tarde inteira com um cano de PVC e um elástico. Andar de bicicleta por si era chato, era necessário abrir caminho até cair um tombo. Andar sem mãos era relaxante e dava uma sensação tão boa. E assim como esses momentos de completa combustão interna estavam ali, eu passava para uma fase diferente, na qual sentava no alto de uma árvore com um livro, e passava horas lendo. Conseguia ficar observando qualquer coisa por horas, quando não tinha o que fazer, pegava os livros de ciência e história e fazia todos os exercícios. Ler sempre foi uma sina, eu lia de tudo (tudo que me interessava, livros que não me chamavam a atenção eram ignorados).
Passei pelo primeiro grau (ensino fundamental) sem suar. Tudo era fácil, menos educação física. Nunca precisei pegar um livro para estudar e não foram poucas as vezes que os professores ficaram bravos comigo. Era o pupilo dos professores de ciências e tinha acesso livre aos laboratórios, onde vários micro incêndios aconteceram. Tinha pavor de matemática, era organizacional demais, muito chato. Eu SUAVA fazendo contas, e desistia ao menor sinal de erro. Todas as outras matérias eram fáceis, e chatas. Sentia falta de algo para fazer...
No segundo grau (ensino médio) a coisa piorou. Ainda me dando bem em tudo que eu queria (história, geografia, química, física) e sempre me ferrando em matemática. Português era chato, mas fácil, o mesmo com literatura. Poucos amigos, mas amigos de fé, muito tempo sozinho, muito tempo comigo mesmo, muito tempo falando sozinho e elaborando teorias mirabolantes. Nada social, nunca saia, tive poucas festas até sair de casa para a universidade, quando acordei para a vida social. Era difícil ter bons amigos pois parecia que eles não tinham nada em comum comigo. As conversas, os assuntos, eram distantes do que minha cabeça processava, e eu simplesmente não conseguia me manter muito tempo conversando com eles. Me chamavam de CDF por ir bem na maioria das matérias, mas eu sabia que nunca fui assim, nunca estudei para as provas, na verdade, se a prova era nos primeiros períodos, eu acordava mais cedo para estudar, e se fosse depois do intervalo, eu estudava no intervalo. Assim, não havia convites, nunca ia em festas. Ainda bem que eu era superativo, e conhecia pessoas nos Escoteiros, no Taekwondo, nos cursos de Inglês, Alemão, e posteriormente na Internet. Creio que se esses contatos não existissem eu seria um alienado até hoje.
As coisas mudaram quando saí de casa, a vida se abriu e pude aproveitar mais por ter amigos que compartilhavam diversos interesses em comum, achei gente mais parecida comigo fazendo Ciência da Computação, mas a sina de ir mal nas ciências exatas matou o curso, e minha vontade. E foi mais ou menos assim com minha faculdade de Direito, uma série de quase fracassos e um fracasso final na monografia de Direito. Parecia impossível começar, era sempre chato, difícil, o cursor piscando na página em branco, tão em branco como minha mente. Nas duas últimas semanas, um flash, uma prontidão... Levei 6 dias para fazer a monografia inteira. Não ficou ruim, eu acho, mas ficou fora do prazo. Levei bomba. Me culpei extensamente por isso, enquanto procurava culpar os outros. Agora sei que eles agiram mal comigo, mas eu também tive parte nisso. Mas não era minha culpa, sempre fui assim.
O vestibular, todos eles, eram simples. Bastava aguardar até a última semana, ou último mês, e aquela iluminação vinha, eu era capaz de ler um livro inteiro em dois dias e lembrar tudo que estava escrito nele. Estudar para provas era apenas uma questão de sair mais cedo do trabalho e estudar uma hora. O problema era quando a inspiração não vinha. Bomba. Para o concurso foram 3 meses estudando de madrugada (me concentro mais na noite), ainda bem que estava inspirado, era a minha área.
Meus relacionamentos fracassavam pois eu sempre sentia que não era bom o suficiente, e tentava ser ao máximo o melhor, sufocando minha parceira. Ao mesmo tempo, precisava de reconhecimento e atenção, o que só piorava as coisas. A baixa auto-estima me fazia ter ciúmes, e tento lidar com isso até hoje. Podia devanear e esquecer do tempo (e dela) por horas. Ou simplesmente, de uma hora para outra, ela era tudo que invadia meu pensamento, e nada mais era importante ou passível de exigir concentração. Todos eles ruíram devagar, e dolorosamente.
Tenho uma incapacidade de aceitar que as pessoas sejam melhores que eu em certos aspectos, e uma intolerância tamanha que me rendeu algumas demissões. Passo de afável à ríspido em segundos, e não me controlo. Momentos de felicidade intensa e de cólera intercalam lugar na minha cabeça enquanto nem eu mesmo me entendo. Detesto ignorância, e não consigo entender como alguém não se esforça para usar com a maior eficiência as ferramentas que estão disponíveis para realizar seu trabalho.
E de repente, comecei a ler sobre isso. Eles também eram assim, eles sentiram isso, viveram isso, lidaram com isso, quando crianças e agora como adultos. Eles tinham as mesmas experiências, mesmos fracassos e alguns dos mesmos sucessos. As mesmas características em vidas muito parecidas com as minhas. Algumas histórias muito piores que a minha em vários aspectos. Perceber que não se está sozinho, e que há mais pessoas que vivem ou viveram isso foi muito bom. Sei que talvez não tenha especificamente DDA, nunca tive problemas graves por causa de meu comportamento, e essas pessoas viveram infernos por causa dessa condição, mas a história delas tem tantos pontos em comum comigo, que acabei me identificando...
Este post é derivado diretamente de meu contato com o livro:
Tendência à Distração - Identificação e Gerência do Distúrbio de Déficit de Atenção da Infância à Vida Adulta
Edward M. Hallowell e Jhon J. Ratey
1999, Editora ROCCO
Um comentário:
esse post vai dos 8 aos 20 e poucos anos em alguns parágrafos...
te falo em inspiração...
fico massa ;)
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